O Ensino Superior em Serviço Social é caracterizado por uma formação crítica norteada por valores democráticos, na qual o (a) discente é preparado (a) para atuar nas políticas sociais, no sociojurídico, no terceiro setor, dentre outros. Sabemos que existem diversas questões que envolvem o ensino superior em Serviço Social, para esclarecer algumas delas e explorar a temática, convidamos a Profa. Ma. Ligia Vieira, que é mestra em Ensino e coordenadora de curso de bacharelado em Serviço Social. Confira a entrevista abaixo!
Ligia Vieira é graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará em 2012, especialista em Serviço Social, Seguridade Social e Legislação Previdenciária pela Faculdade Ratio em 2014, mestra em Ensino pela Univates em 2020. Professora e Coordenadora do Curso de Bacharelado em Serviço Social da Faculdade Princesa do Oeste (FPO), desde 2015 e membro do Núcleo Descentralizado do Conselho Regional de Serviço Social do Ceará (NUCRESS-Crateús).
1. Como você caracteriza a educação brasileira?
[…] percebemos que a letra da lei ainda é distante da realidade praticada em muitas Instituições de Ensino, tanto públicas como privadas.
Ligia Vieira
Gostaria de iniciar esta discussão dizendo que, no Brasil, a estrutura e o funcionamento da Educação estão definidos e regidos por um conjunto de normas e dispositivos legais, dentre os quais podemos citar a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996.
Então, partindo da análise desses documentos, podemos caracterizar a Educação como um direito social inerente a todos os cidadãos e de dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (conforme artigo 5º da CF/88).
Vejamos então que, as finalidades propostas para a educação perpassam pela formação de sujeitos críticos, conscientes e reflexivos, que estejam não apenas aptos ao exercício de uma profissão, mas que possam participar no desenvolvimento social da nossa nação, através de contínuo aperfeiçoamento, pesquisas e investigações científicas. Contudo, percebemos que a letra da lei ainda é distante da realidade praticada em muitas Instituições de Ensino, tanto públicas como privadas.
2. Como você caracteriza o ensino superior em Serviço Social?
O ensino superior em Serviço Social tem como finalidade a formação de profissionais que atuem intervindo na questão social (o seu objeto de trabalho) de forma crítica e propositiva, formulando e implementando propostas para o enfrentamento das diversas expressões das desigualdades, viabilizando o exercício pleno da cidadania mediante a inserção dos sujeitos no conjunto das relações sociais e no mundo do trabalho.
Assim, a partir de uma sólida formação, os futuros profissionais de Serviço Social podem, além de desenvolver uma profissão de nível superior, colaborar num processo de desenvolvimento e de transformação da sociedade.
3. É fácil cursar Serviço Social?
Essa pergunta é muito relevante, pois muitas pessoas têm em seu imaginário, que o curso de Serviço Social é um curso sem complexidade e que não exige dedicação, o que não é verdade. É um Curso de nível superior, que deve ter, no mínimo, uma carga horária de 2.700 horas e duração média de 4 anos. Atrelado a isso, não conhecer o que é a profissão, quais as suas atribuições e as competências profissionais, pode levar as pessoas a pensarem dessa forma.
Ademais, temos hoje uma grande oferta de graduação em Serviço Social, tanto na modalidade presencial como a distância (EaD), o que pode tornar fácil o ingresso nesse curso, mas uma formação sólida, crítica e que leva em consideração as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Serviço Social propostas pela ABEPSS, vai requerer dos alunos bastante compromisso, empenho e dedicação no estudo dos componentes curriculares propostos.
Esses componentes contemplam matérias como Filosofia, Sociologia, Economia Política, Antropologia, Direito, Política Social, Ética Profissional, Administração e Planejamento, Pesquisa em Serviço Social, dentre outras, além do Estágio Supervisionado em Serviço Social e o Trabalho de Conclusão de Curso, exigindo, portanto, muitas leituras e estudo.
4. Quais os principais desafios para os estudantes? E para os egressos?
Acredito que o principal desafio para os estudantes ingressantes seja compreender a missão do Curso e construir uma identificação com as ações profissionais propostas. É o aluno se enxergar trabalhando como assistente social. Daí, no decorrer do curso aparecem desafios como conciliar os estudos com o trabalho, com a maternidade/paternidade (no caso de estudantes mães e pais), tempo para o estágio e também, em alguns casos, dificuldades de aprendizagem decorrentes de uma educação básica precarizada, o que pode implicar no abandono do curso. Já para os egressos, talvez o principal desafio seja conseguir se inserir no mercado de trabalho.
5. Temos hoje mais de 200.000 assistentes sociais inscritos nos diversos CRESS pelo Brasil, ou seja, temos muito mais assistentes sociais do que postos de trabalho. Como isso impacta no aspecto formativo? Isso prejudica a adesão de estudantes ao curso de Serviço Social?
O curso de nível superior continua sendo buscado como forma de qualificação profissional, visando o ingresso ou a promoção no trabalho.
Ligia Vieira
É importante termos em mente que vivemos em uma sociedade capitalista e neoliberal, orientada pelo e para o mercado. É o capital que vai ditando e regulando as instâncias da vida social, incluindo o mundo do trabalho. Para o seu próprio fomento, este tipo de organização social passa a orientar e exigir uma força de trabalho cada vez mais qualificada. Muitos postos de trabalho hoje requerem uma formação intelectual e profissional ofertada pelas Instituições de Ensino Superior.
Então, para o próprio acesso ao mercado de trabalho, mesmo que não seja para o cargo específico de formação, são priorizados os candidatos que possuem nível superior. Daí já temos uma primeira indicação de que, mesmo tendo muitos profissionais de Serviço Social, o curso de nível superior continua sendo buscado como forma de qualificação profissional, visando o ingresso ou a promoção no trabalho.
Analisando os dados do Censo da Educação Superior podemos constatar que as tendências atuais de acesso ao mercado de trabalho e de ascensão profissional reafirmam suas vinculações à qualificação profissional proporcionada pelos cursos de nível superior, alavancando a procura dos mesmos, sejam presenciais ou a distância, fazendo crescer tanto o número de IES como o número de matrículas, no decorrer dos últimos 20 anos. Daí podemos chegar numa segunda indicação que, da mesma forma que temos muitos profissionais de Serviço Social formados, temos muitos profissionais em diversas outras áreas como Enfermagem, Psicologia, Direito, Administração etc.
Sempre destaco como sendo de suma importância uma formação de qualidade, devendo o aluno escolher bem a Faculdade ou Universidade em que pretende estudar e que mesmo depois de formado dê continuidade a sua formação em cursos de especialização ou cursos de capacitação profissional. Isso será um diferencial na hora de pleitear uma vaga de emprego. Mesmo com um grande número de profissionais na área, nem todos estão aptos a atuar pois são provenientes de um ensino precarizado, sem condições de fazer as articulações entre a teoria e a prática. Ademais, existem indicações de expansão de vagas para assistentes sociais nos próximos anos, como é o caso da inserção desses profissionais nas escolas da rede básica de ensino, aprovada pela Lei 13.935/19.
6. Vale a pena fazer ensino superior em Serviço Social?
Sim. Certamente é uma escolha que vale a pena e eu abordo aqui pelo menos três motivos que confirmam o meu ponto de vista.
O primeiro motivo pelo qual eu digo isso é pelo próprio caráter formativo que o curso proporciona. A partir de disciplinas que abarcam aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos da sociedade, além de outras disciplinas como Direito, Política Social, Ética e temas transversais como Direitos Humanos, Inclusão, Relações étnico-raciais, Meio ambiente, dentre tantas outras, que ajudam no desenvolvimento dos alunos enquanto cidadãos críticos, reflexivos, conscientes e que, a partir de uma nova visão de mundo, podem se dispor a mudá-lo.
O segundo motivo é que este curso lhe possibilita atuar enquanto profissional de Serviço Social em diversas instituições públicas e privadas. São diversos equipamentos que requerem sempre a atuação de assistentes sociais, seja na política de assistência social, saúde, educação, habitação. É só olharmos para os editais de concursos e seleções dos municípios brasileiros que veremos que as vagas para assistente social se apresentam em grande número se comparados a outras profissões.
E o terceiro motivo pelo qual afirmo que vale a pena cursar Serviço Social é que, mesmo não pleiteando uma vaga no mercado como assistente social, ter uma formação superior lhe dará maiores chances de conseguir um emprego se comparado a quem possui apenas o ensino médio.
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Recomendações da professora entrevistada
Deixo como indicação algumas leituras que podem ajudar a compreender um pouco mais do aspecto formativo dos assistentes sociais e suas competências e atribuições profissionais.
ABEPSS. Diretrizes gerais para o curso de serviço social. 1996. Disponível em: http://www.abepss.org.br/arquivos/textos/documento_201603311138166377210.pdf.
Brasil. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf
Professor universitário. Doutorando em Políticas Públicas. Mestre em Sociologia. Especialista em Gestão Pública Municipal. Especialista em Direito Previdenciário. Bacharel em Serviço Social e em Administração.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5220780303947208
ResearchGate: https://www.researchgate.net/profile/Francisco-Garcez