Com as mudanças econômicas e a reestruturação produtiva em âmbito mundial, a partir dos anos 1980, foi necessária a reforma dos programas sociais para o enfrentamento da nova pobreza e a crise do emprego, que ganharam atenção na agenda pública social, possibilitando o enfrentamento desses problemas através dos Programas de Transferência de Renda. Para elaborar um breve resgate sobre o processo de reforma dos programas sociais e a historicidade dos programas de transferência de renda no Brasil utilizaremos como base o livro A Política Social Brasileira no Século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda, de Silva, Yazbek e Giovanni (2011).
A partir dos anos 1930, os países da Europa e os E.U.A. começaram a introduzir programas de garantia de renda mínima em seus governos. Todos eles relacionados às condições profissionais ou às sociais. Temos, por exemplo, os seguintes países: Estados Unidos (1935) e Estado do Alasca, Dinamarca (1933), Reino Unido (1948), Alemanha (1961), Países Baixos (1963), Bélgica (1974), Irlanda (1977), Luxemburgo (1986), França (1988), Espanha (1988). Posteriormente, essas medidas foram adotadas também por países latino-americanos, como: Uruguai, Chile, Argentina, México, Venezuela e, finalmente, o Brasil.
Em nosso país, os mínimos sociais, primeiros passos da origem dos Programas de Transferência de Renda, surgiram com a instituição do salário mínimo em 1940, por dar suporte às necessidades básicas do trabalhador e de sua família. Acrescido aos mínimos sociais, temos ainda, a Renda Mensal Vitalícia, de 1974, o seguro-desemprego, de 1986 (beneficio temporário de transferência direta de renda não inferior a um salário mínimo) e o abono salarial.
Grande salto nos mínimos sociais foi instituído por três benefícios previstos na Constituição de 1988, considerados os primeiros programas de transferência de renda. São eles: os benefícios mínimos da Previdência Social, a Renda Mensal Vitalícia e “alguns benefícios de caráter assistencial, eventual, pontual, localizado e emergencial, destinados aos pobres” (Silva, Yazbek, Giovanni, 2011, p. 36).
Assim, a adoção de políticas pelo governo brasileiro, a partir da década de 90, assumiu um formato que buscava nitidamente se desvincular da tradição assistencialista anterior das políticas sociais, mediante a normatização de certas contrapartidas por parte dos beneficiários dos programas, sobressaindo-se o direito universal à assistência social. Interessante é que algumas destas exigências incorporavam o mérito de promover a otimização da aplicação dos recursos públicos, gerando demandas sociais sobre as políticas de saúde e educação.
Contudo, a primeira discussão efetiva sobre os Programas de Transferência de Renda no Brasil, ocorreu apenas em 1975, por Antônio Maria da Silveira, quando publica o artigo: “Redistribuição de Renda”, enfatizando o não atendimento às necessidades de sobrevivência humana, devido à falência da economia brasileira, e apresentando como solução:
[…] Uma transferência monetária proporcional à diferença entre um nível de isenção e a renda auferida pelo pobre, tomando por base um nível de subsistência como referência para fixação do nível de isenção. (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2011, p. 95).
O que interessa são os Programas de Transferência de Renda no Brasil. Por isso, partimos para a divisão da Política Pública Nacional de Transferência de Renda, em cinco momentos, proposto por Silva, Yazbek e Giovanni (2011, p. 96).
O primeiro momento é o marco inicial das primeiras discussões a esse respeito, que se iniciam com a aprovação do Projeto de Lei nº 80/1991, de 16 de dezembro de 1991, o qual institui o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), de autoria do senador Eduardo Suplicy (PT de São Paulo). Este projeto era fundamentado no Art. 3°, Inciso III, da Constituição Brasileira de 1988, que previa “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Porém, seu projeto foi cancelado posteriormente pelo Congresso Nacional. O senador defendia esta ideia por acreditar que a renda monetária fosse um mecanismo para alcançar a solução proposta no artigo supracitado: a de dar opções de escolha de consumo para suprir as necessidades básicas dos cidadãos e servir como um controle migratório, já que era um programa nacional. Suplicy (2002) chama Renda Básica, de Renda de Cidadania, como a melhor possibilidade de garantia do principal direito humano, o direito à vida, materializado a partir da participação e da redistribuição da riqueza socialmente produzida.
O segundo momento, ainda em 1991, é quando a discussão sobre Renda Mínima ganhou novo impulso, a partir da proposta de Camargo. Este associou a renda das famílias à escolarização dos filhos ou dependentes, defendendo a transferência monetária no valor de um salário mínimo, para os filhos ou dependentes em idade escolar. Aqui, a grande inovação, ou para alguns autores, o grande marketing das novas discussões de Renda Mínima, foi a articulação da transferência monetária com o sistema educacional.
O terceiro momento, iniciado em 1995, é marcado pelo desenvolvimento de experiências em Campinas, Ribeirão Preto, Santos e Brasília, acrescidas às propostas nacionais e à inspiração de muitos programas, sobretudo os municipais, como respostas do governo à população brasileira frente à questão do enfrentamento da pobreza. Silva, Yazbek e Giovanni (2011) explica o que esses programas de transferência de renda representavam para as propostas futuras:
[…] Tendo como expectativas romper o círculo da pobreza transgeracional, de modo que a maioria desses programas propõe articulação de uma medida compensatória a uma política de alcance estrutural. Além da busca de introdução das famílias em situação de extrema pobreza em uma rede de segurança social, tendo em vista elevar os padrões de vida ao nível de uma vida digna, esse programas têm, principalmente, como perspectiva, inserir economicamente as gerações futuras, com a elevação de sua escolaridade e com o fortalecimento da família (p.54-55).
Essas experiências bem sucedidas e as propostas municipais são as responsáveis por fazerem com que Fernando Henrique Cardoso acate a proposta, porém com algumas alterações do deputado Nelson Marchezan (do PSDB, Rio Grande do Sul). Assim, sanciona em 2 de julho de 1998, pelo Decreto nº. 2.609, o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), “para toda criança na escola”.
O quarto momento é a partir de 2001, com o desenvolvimento dos Programas de Transferência de Renda no Brasil, a partir do incentivo do Governo Federal e o apoio e a descentralização dos programas nos municípios brasileiros. O marco desse desenvolvimento foi a transformação do Programa Nacional de Garantia Mínima – PGRM – “para toda criança na escola”, em Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação – “Bolsa-Escola” – e a criação do Bolsa-Alimentação. Nesse momento, temos a expansão de outros programas nacionais, como o PETI6 e o BPC. Estes foram implementados de forma descentralizada por quase todos os municípios do Brasil considerados fundamentais para a “grande rede nacional de proteção social” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2011, p.101) da Política Social Brasileira.
O quinto e último momento da historicidade dos Programas de Transferência de Renda no Brasil se dá a partir de 2003, com Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu governo, foi dada prioridade ao enfrentamento da fome e da pobreza, porém para o dirigente, só era possível alcançar tais objetivos através da articulação satisfatória entre Política Social e Política Econômica. Para tal proeza, a partir de julho de 2003, unificaram-se quatro programas federais (Bolsa- escola, Bolsa-alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás) em um só (Programa Bolsa Família) e o Congresso Nacional aprovou a responsabilidade do financiamento deste programa de renda mínima à pessoa e/ou à família, à União, Estados e Municípios. Temos ainda, a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em janeiro de 2004, e a Lei de Renda Básica de Cidadania, nº. 266/2001, de autoria do senador Eduardo Suplicy. O grande vínculo de todas essas intenções políticas propostas e implantadas era amenizar a fome e a pobreza em curto prazo, bem como reduzir a reprodução destas em longo prazo. Além do propósito de acesso às políticas universais estruturantes, chamados por alguns autores, de “políticas compensatórias”, principalmente, no campo da educação e da saúde. Antônio Maria da Silveira, parceiro de trabalho do político Eduardo Suplicy, participava no início dos anos 1990, de simpósios na Europa e nos E.U.A. para debater e conhecer a ideia de renda mínima. A conclusão dos congressos e dos congressistas foi que precisava do encaminhamento da renda básica incondicional em todos os países.
A Lei nº. 266/2001, sancionada por Lula em 2004, e implantada a partir de 2005, tinha como propósito atender todas as famílias mais pobres brasileiras ou estrangeiras, residentes no país há cinco ou mais anos, a partir da transferência de um valor monetário, como renda básica incondicional.
Para Silva, Yazbek e Giovanni (2011):
O processo de desenvolvimento histórico da Política Social Brasileira rumo à construção de uma Política Pública de Transferência de Renda evidencia que os programas de transferência monetária direta a indivíduos ou as famílias representam elemento central na construção atual do Sistema Brasileiro de Proteção Social, mormente da Política de Assistência Social (p. 103).
Referências
SILVA, Maria Ozanira da Silva e; YAZBEK, Maria Carmelita; DI GIOVANNI, Geraldo. A Política Social Brasileira no Século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. São Paulo: Cortez, 2011.
Professor universitário. Doutorando em Políticas Públicas. Mestre em Sociologia. Especialista em Gestão Pública Municipal. Especialista em Direito Previdenciário. Bacharel em Serviço Social e em Administração.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5220780303947208
ResearchGate: https://www.researchgate.net/profile/Francisco-Garcez