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Conceitos fundamentais – Conservadorismo, liberalismo e socialismo

“Conservadorismo”, “liberalismo” e “socialismo” são temas importantes que povoam o debate político e são tão pouco esclarecidos no interior do próprio debate. Liberais e socialistas acusam os conservadores de atrasados e intolerantes. Socialistas e conservadores acusam os liberais de egoístas e indiferentes ao sofrimento alheio. Conservadores e liberais acusam os socialistas de dogmáticos e autoritários. Mas afinal, você sabe o que os termos significam? Como assistentes sociais formados ou em formação, é fundamental conhecer as fontes que dialogam com os assuntos em disputa na cena política.  

Antecipamos, desde já, que “conservadorismo”, “liberalismo” e “socialismo” não são apenas ideologias a mais. No seio da própria tradição conservadora, liberal e socialista há muitas discrepâncias e dissensos. Difícil reduzir cada um desses conceitos a um esquema teórico rígido e homogêneo. Afinal, de respostas fáceis para assuntos tão complexos, precisamos desconfiar sempre. A tentativa aqui é apenas trazer uma sistematização introdutória sobre as ideias principais que emolduram essas vertentes para dirimir algumas confusões e instigar a construção de sólidas bases de conhecimento.

O QUE É CONSERVADORISMO?

“Conservadorismo” é um termo presente no vocabulário e nos espaços de debate do Serviço Social. O senso comum costuma assumir que o pensamento conservador é retrógrado, moralista, racista e apegado a uma moralidade religiosa. De fato, parece haver um estigma (ou quase um insulto) em torno da expressão “conservador”, o que dificulta a compreensão das ideias e empobrece a discussão.

O conservadorismo, em termos de produção filosófica, é muito engenhoso e tem longa tradição intelectual, principalmente na Inglaterra. Surgiu durante o curso de três grandes revoluções – a Revolução Gloriosa de 1688, a Revolução Americana que terminou em 1783 e a Revolução Francesa de 1789. O conservadorismo moderno é produto do Iluminismo, mas invoca traços da condição humana que podem ser encontrados em todos os períodos da história, sendo herdeiro de um legado filosófico antigo. É uma tradição que remonta a David Hume (1711 – 1776) e encontra grande expressão em Edmund Burk (1729 – 1797) – autor crítico da Revolução Francesa. Outro nome de notoriedade é o de Michael Oakeshott (1901 – 1990), um dos mais proeminentes filósofos conservadores. Ele vai nos explicar que o conservador é um cético, um descrente, um desconfiado em relação às grandes utopias revolucionárias. Além disso, Michael Oakeshott elucida a filiação do pensamento conservador à tradição cética em filosofia. Nesse sentido, o ceticismo é o fundamento central da visão conservadora. Ceticismo em relação à possibilidade de que qualquer arcabouço de propostas tenha aplicação universal e seja capaz de findar os problemas da vida em comum. Conservadores tratam qualquer corpo de ideias com pretensão idealista totalizante com desconfiança – à esquerda e à direita – opondo-se ao socialismo marxista, ao fascismo e ao nazismo.

Seria, então, o conservador alguém avesso ao progresso e à mudança, inimigo da modernidade? Não, a tradição conservadora como filosofia política não é avessa ao progresso, à mudança e não é inimiga da modernidade. Na realidade, o conservador reconhece a necessidade de adaptação aos tempos e às circunstâncias e compreende os limites das possibilidades de resolver todos os conflitos e os dilemas da vida em sociedade – como disse Edmund Burk, “precisamos reformar a fim de conservar”.

A posição política de um conservador é a da prudência, da preservação das experiências positivas que sobreviveram ao curso do tempo. Sendo assim, o conservadorismo rejeita propostas utópicas, cuja intenção é “descer o céu para a terra”, e considera potencialmente perigoso o fogo do partidarismo feroz, por exemplo. Lucidez, prudência, ceticismo são palavras-chave. Por conseguinte, um ambiente político marcado pelo caos institucional, pela instabilidade, desequilíbrio e autoritarismo é anticonservador.

Em síntese: o que é ser conservador? Oferecemos uma resposta à luz de Michael Oakeshott “Ser conservador é preferir o familiar ao estranho, o experimentado ao não experimentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica”. Por fim, os verdadeiros conservadores reconhecem que a realidade social e política é atravessada por uma contínua tensão entre permanências e mudanças.

Os leitores que buscam aprofundar o assunto podem consultar as obras listadas abaixo:

Reflexões Sobre a Revolução na França, por Edmund Burk.

A Mentalidade Conservadora: de Edmund Burke a T. S. Eliot, por  Russel Kirk.

A Política da fé e a Política do Ceticismo, por Michael Oakeshott.

Conservadorismo, por Michael Oakeshott.

Conservadorismo: um convite à grande tradição, por Roger Scruton.

O QUE É LIBERALISMO?

O liberalismo teve sua origem na Inglaterra, em meados do século XVII, insurgindo-se contra as monarquias absolutas e seu sistema econômico, o mercantilismo. Noutros dizeres, o liberalismo é uma doutrina do controle do poder e da limitação das tarefas do Estado.

Os expoentes pioneiros do ideário liberal foram Thomas Hobbes (1588 – 1679) e John Locke (1632 – 1704). Todavia, Adam Smith (1723 – 1790) é considerado o fundador da ciência econômica como disciplina autônoma e pai do liberalismo. Foi no século XIX que de fato o liberalismo ganhou corpo como vertente da teoria política. No curso da história, uma densidade de eruditos intelectuais empreenderam prodigiosos esforços na difusão das ideias liberais – Benjamin Constant, Alexis de Tocqueville, José Ortega y Gasset, Milton Friedman, Friedrich August Von Hayek, Ludwig Von Mises e Raymond Aron formam alguns exemplos.

Ancorado nos postulados da ciência econômica, o liberalismo busca enunciar ferramentas a serem adotadas para que a humanidade, de modo geral, possa elevar seu padrão de vida. A tradição liberal defende a liberdade como valor supremo, o indivíduo frente ao coletivo, à nação, à classe ou ao partido e favorece o exercício da cultura democrática. Com certo consenso, os liberais creem ainda que a sociedade deve controlar o funcionamento das instituições do Estado e primam pela responsabilidade individual, quer dizer os indivíduos devem levar em conta as consequências dos seus atos.

Agora, lança-se a primeira indagação: os liberais são contra o Estado? Não, o ideário liberal não defende o fim do Estado. Pelo contrário, quer um Estado forte, eficaz e funcional, que garanta manutenção da ordem pública, o cumprimento das leis, a igualdade de oportunidades, o bom funcionamento do mercado e permita que os cidadãos trabalhem e incrementem a riqueza. A igualdade que os liberais pretendem não significa a igualdade utópica de que todos alcancem os mesmos resultados nos ingressos e na renda, mas que todos partam de pontos mais ou menos similares para buscar os melhores resultados. Rotulado pelos inimigos do liberalismo como desumano, Adam Smith, por exemplo, foi sensível aos horrores da miséria e convicto da importância da educação, que deveria ser financiada para os que não podiam pagar. Em A Riqueza das Nações ele afirmou, inclusive, que nenhuma sociedade pode ser feliz e próspera se a maioria dos seus membros é miserável e pobre. Adicionalmente, Friedrich August Von Hayek em O Caminho da Servidão argumenta em favor da ação pública que seja capaz de mitigar desastres dos quais o indivíduo não pode se defender e afirma que não há incompatibilidade entre o Estado oferecer alguma segurança ao cidadão e a preservação da liberdade individual.

Seria, então, o liberalismo uma receita econômica de livre mercado? Ao contrário do que o senso comum costuma supor, o livre mercado é uma peça mestra, mas não a única, da doutrina liberal. Reduzir o liberalismo a uma política econômica de livre mercado é um equívoco. Segundo José Ortega y Gasset, o liberalismo deita raízes numa atitude ante a vida e ante a sociedade pautada na tolerância, no respeito, no amor à cultura, na vontade coexistência com o outro e na defesa ferrenha da liberdade como valor supremo. Já a obra de Friedrich August Von Hayek reúne empenho para combater o liberalismo caricato traduzido na mera defesa de um livre mercado irrestrito. Sem a pretensão de resolver todos os problemas da vida humana, a economia de mercado não passa de retórica e não serve para nada se não for sustentada por uma ordem legal eficiente que garanta o respeito aos contratos, um poder judicial honesto e independente do poder político.

Pois bem, o liberalismo é meramente egoísta e alheio à esfera pública? Não. A propósito, em autores liberais de grande densidade filosófica como Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville, encontramos a ideia de que o individualismo desregrado e o afastamento da vida pública pavimentam o caminho para governos autoritários e paternalistas. Preocupação exclusiva com os interesses privados e autonomia individual alheia à arena política são perigos flagrantes para a perda da própria liberdade e ascensão do despotismo.

Mario Vargas Llosa em seu livro O Chamado da Tribo fornece uma síntese: a doutrina liberal representou desde a sua origem as formas mais avançadas de cultura democrática e é aquela que mais fez progredir, nas sociedades livres, os direitos humanos, a liberdade de expressão, a defesa do meio ambiente e a participação do cidadão comum na vida pública.

Os leitores que buscam aprofundar o assunto podem consultar as obras listadas abaixo:

A riqueza das nações, por Adam Smith.

A liberdade dos antigos comparada à dos modernos, por Benjamin Constant.

O caminho da servidão, por Friedrich August Von Hayek.

Liberalismo, por Ludwig Von Mises.

Capitalismo e liberdade, por Milton Friedman.

O chamado da tribo, por Mario Vargas Llosa.

O QUE É SOCIALISMO?

O pensamento socialista busca realizar uma crítica à ordem capitalista, colocando em pauta suas contradições e antagonismos. Foi a partir do socialismo que a sociedade capitalista passou a a ser analisada como um acontecimento transitório. Nesse contexto, a gênese de uma classe tida como revolucionária – o proletariado – cria as possibilidades para o aparecimento de uma nova teoria crítica da sociedade, que assume como tarefa a explicação critica da sociedade e como objetivo final a sua superação.

 A tradição do pensamento socialista que desenvolve um conhecimento crítico da ordem capitalista e sua capacidade destrutiva e desagregadora atingiu se ápice com dois gigantes da teoria social: Karl Marx (1818 – 1883) e Friedrich Engels (1820 – 1903). O rico legado desses pensadores é fundamental para uma leitura desmistificada da realidade capitalista e abarca da filosofia à economia, assimilando três notáveis vertentes do pensamento europeu, ou seja, o socialismo, a dialética e a economia política.

Cabe contextualizar que, paralelamente aos movimentos revolucionários que despontaram no início do século XIX na Europa Ocidental, ganhava terreno um corpo de ideias que reivindicava a igualdade de todos os cidadãos – igualdade não somente do ponto de vista político, mas também quanto às condições sociais de vida – pondo em relevo a eliminação dessas diferenças. Saint Simon (1760 – 1825), Robert Owen (1771 – 1858) e Charles Fourier (1772 – 1837) foram expoentes do chamado “socialismo utópico”, ou “pré-marxista”, e evidenciavam uma nítida reação à realidade inaugurada pelo modo de produção capitalista. E que realidade seria essa? Pois bem, as contradições que brotavam no capitalismo e que o caracterizavam derivavam, grosso modo, do antagonismo entre o proletariado e a burguesia. Os proletários encontravam-se expropriados dos instrumentos de trabalho, confiscados pelos capitalistas e, assim, estavam submetidos a uma dominação econômica.

Karl Marx e Friedrich Engels assinalaram as boas ideias da literatura socialista utópica, mas sem deixar de apontar suas fragilidades. Para eles, os socialistas utópicos não apresentaram os meios capazes de promover mudanças radicais na sociedade capitalista. Do final do século XIX até o último quarto do século XX, a crítica marxista ganhou forte impulso e foi prevalecente.

Qual foi, então, a alternativa proposta pelo socialismo marxista ao capitalismo? Foi a revolução proletária e a socialização dos meios de produção. André Lara Resende em sua obra Os limites do possível: a economia além da conjuntura traz de forma esquemática a crítica socialista marxista ao capitalismo:

  1. A econômica, segundo a qual a ordem capitalista seria instável, sujeita a crises recorrentes até a crise final, que abriria espaço para a alternativa socialista;
  2. A social, segundo a qual o sistema capitalista seria injusto, pautado na exploração do trabalho assalariado e na concentração de riqueza, sendo incapaz de eliminar a pobreza;
  3. A política, segundo a qual a democracia capitalista é uma impostura. A alienação cultural impediria os trabalhadores de compreender que não há interesses comuns, mas sim interesses de classes, que não podem ser reconciliados na democracia representativa;
  4. A cultural, segundo a qual a realidade capitalista levaria à alienação dos trabalhadores em relação a seus verdadeiros propósitos, pois no capitalismo a sociedade é egoísta, alienada e consumista.

A crítica ao capitalismo presente na obra de Karl Marx partiu de um ponto de vista socialista e concentrou preocupações com o socialismo, com a superação das relações de produção capitalistas e com a construção do sujeito revolucionário. Todavia, Karl Marx deu poucas indicações sobre como organizar o trabalho em uma sociedade socialista. No primeiro capítulo do Livro I de O Capital propõe que imaginemos uma associação de homens livres, que trabalhem com os meios de produção coletivos e que conscientemente despendam suas forças de trabalho individuais como uma única força social de trabalho. Em síntese, imaginemos um tipo de sociedade em que a distribuição do produto social se dê não tendo em vista a troca de mercadorias, mas a produção e distribuição planificada da mercadoria.

A teoria social de Karl Marx e Friedrich Engels propiciou uma significativa contribuição para a análise das relações entre as classes sociais e serviu de inspiração para grandes empreendimentos críticos e militantes, desmistificadores da ordem capitalista. O rumo traçado pelo socialismo de base marxista foi o compromisso com a construção de uma ordem social na qual fossem eliminadas as relações de exploração entre as classes sociais.

Nas palavras de Karl Marx e Friedrich Engels em Manifesto do Partido Comunista: “No lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classe surge uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos”.

Os leitores que buscam aprofundar o assunto podem consultar as obras listadas abaixo:

Manifesto do Partido Comunista, por Karl Marx e Friedrich Engels.

O Capital (livros I, II e III), por Karl Marx.

Contribuição à crítica da economia política, por Karl Marx

Manuscritos econômico-filosóficos, por Karl Marx.

Curso livre Marx-Engels: a criação destruidora, por Ricardo Antunes, Osvaldo Coggiola e Ruy Braga.

Introdução ao estudo do método de Marx, por José Paulo Netto.

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