Factory workers, India (photograph)

Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social: Reflexões à luz de Iamomoto

O artigo visa apresentar uma análise sobre os espaços sócio-ocupacionais do assistente social a partir da obra de  Marilda Villela Iamamoto (cf. referências), na qual será discutido as múltiplas funções assumidas pelos assistentes sociais no nosso atual momento histórico. 

No nosso contexto atual é versado que a política social em diversos âmbitos é precarizada, como no hospitalar, onde muitas pessoas que, mesmo não podendo, utilizam, por muitas vezes, até de benefícios, como o bolsa família, para ter acesso a um serviço de saúde privado, já que não possuem seu direito de ter um atendimento médico gratuito e de qualidade (como é assegurado pela Carta Constitucional de 1988).

Diante dessa questão, faz-se necessário uma análise das conjunturas que impulsionaram as práticas do assistente social. De modo em que possam estar explicitados: da construção do projeto societário da profissão até a situação desses espaços, perpassando pelos aspectos ocupacionais do assistente social e a situação desses aspectos.

A gênese dos espaços ocupacionais do assistente social tem por fundamento as alterações nos processos sociais que definiram historicamente a necessidade do assistente social, enquanto profissional para atuar na “luta contra-hegemônica” que deve estar atrelada ao “universo do trabalho”.

Primeiro, atentemo-nos a definição de “questão social” :

A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão.

IAMAMOTO. 1983, p. 77.

Cabe ressaltar que a questão social não determina por si o surgimento da profissão, mas somente quando esta se transforma em objeto de intervenção do Estado por meio da implementação de políticas públicas sociais, quando através deste são demandados agentes especializados para implementá-las. (NETTO, 2005)

A questão social e suas implicações se instauram com “um caráter essencialmente político, cujas medidas de enfrentamento expressam projetos para a sociedade” (IAMAMOTO, 2009). Com o agravamento das desigualdades sociais, se amplia o raio de atuação do Serviço Social, caracterizando o aumento de captação por assistentes sociais no mercado de trabalho, que serão utilizados para operacionalizar os projetos societários mediando os interesses das classes conflitantes.

A construção de um projeto societário, como nos esclarece Netto (2005):

[…] trata-se daqueles projetos que apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, que reclamam determinados valores para justificá-lo e que privilegiam certos meios (materiais e culturais) para concretizá-la.

José Paulo Netto

Esses projetos societários são construídos coletivamente, propondo propostas para a sociedade como um todo, sendo um meio que envolve relações de poder, por ser um projeto de classe e que possui uma dimensão essencialmente política.

O Serviço Social, enquanto profissão institucionalizada possui seu projeto de classe, o projeto profissional, que segundo Netto (1999), são indissociáveis dos projetos societários que lhe conferem matrizes e valores e expressam um processo de luta pela hegemonia, entre as forças sociais presentes na sociedade e na profissão.

A partir da década de 1980, através da ruptura com o projeto profissional conservador, o Serviço Social se introduziu no campo da produção científica e produziu concepções teórico-metodológicas que conduziram à adequação da formação profissional às novas condições que se configuraram pelo agravamento da ‘questão social’, fazendo com que os assistentes sociais respondessem com criticidade às demandas que se instauraram a partir desse quadro.

Sendo assim, o Serviço Social procura se adequar às novas situações que estão postas pelas demandas buscando respondê-las de forma eficaz e competente com a nova estrutura das práticas interventivas, conforme Netto (1999), explica:

Este movimento não se deve unicamente à requalificação da prática profissional, mas também, sobretudo, às conquistas de direitos cívicos e sociais que acompanhou a restauração democrática da sociedade brasileira […]

José Paulo Netto

O Serviço social se configura enquanto profissão para atender às demandas que foram colocadas na estrutura social através da expressão ampliada das desigualdades, sendo indissociável do processo de acumulação capitalista (NETTO, 1999).

Ocorreram inúmeras mudanças no que diz respeito às políticas públicas e a esfera social, desde o final dos anos oitenta, que influenciaram, transfigurando, significativamente, os espaços sócio-ocupacionais do Assistente Social na sua prática profissional.

Como uma profissão que está inserida no espaço da divisão social e técnica do trabalho, o Serviço Social se caracteriza por ser uma profissão que é tanto um dado histórico, indissociável das particularidades assumidas pela formação e desenvolvimento a sociedade brasileira quanto resultante dos sujeitos sociais que constroem sua trajetória e redirecionam seus rumos (IAMAMOTO, 2009).

Behring(2008), ao propor uma reflexão acerca da condição da política social na dinâmica do capitalismo contemporâneo, afirma que esse sistema, é marcado por contradições e desigualdades, mediante a isso, vivemos em um período de barbárie, com mais as mais diversas expressões da violência. (Idem, 2008) elucida sua teoria, ao citar as ações dos homens bombas, à guerra sem fim do tráfico nas favelas do Rio de Janeiro, à criminalização dos pobres e dentre outros, como expressões da questão social nesse contexto contemporâneo, que exige a inserção da camada mais pobre da população em políticas públicas, assegurando melhores condições de vida para essas pessoas. A nova dinâmica do capitalismo é marcada pela mundialização, a reestruturação produtiva  e o neoliberalismo . O que configura um período marcado pela intensificação das práticas sociais. 

Assim, segundo Iamamoto (2009, p.358),

Vive-se uma tensão entre a defesa dos direitos sociais universais e a mercantilização e refilantropização do atendimento às necessidades sociais, com claras implicações nas condições e relações de trabalho do Assistente Social.

Marilda Vilela Iamamoto

Com esse discurso, a autora enfatiza as mudanças ocorridas, em relação ao social, desde os anos oitenta, tendo como marco os princípios norteadores da seguridade social na Carta Constitucional de 1988 , na qual possui princípios que priorizam os aspectos sociais  como: 

Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, universalidade da cobertura e  atendimento, uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988).

Esses princípios foram um marco na medida em que mudaram a condução das politicas publicas e descentralizaram o poder impulsionando o processo de democratização das politicas sociais no atendimento as necessidades da população mais empobrecida, que eram a maioria.

Em resposta a questão social, de acordo com Iamamoto (2009), “essa proposta político-institucional é tensionada por outra proposta de inspiração liberal”, que é ligada a lógica financeira do grande capital internacional. Fortalecendo-se a partir dos anos noventa, “na profunda re-estruturação do aparelho do Estado conforme diretrizes estabelecidas pelo Plano Diretor do Estado , do Ministério de Administração e da Reforma do Estado” (IAMAMOTO, 2009, p.358). Essa tensão atinge profundamente a seguridade social, pois ela ignora as normas constitucionais relativas aos direitos sociais, sendo que essa regulamentação ratifica a subordinação dos direitos sociais à lógica orçamentária. 

Iamamoto (2009), ainda, ressalta que há um esgotamento da estratégia estatizante, que de acordo com a ótica oficial, afirma-se que é necessário ultrapassar a administração pública tradicional, que é centralizada e burocrática. Nesse sentido, observa-se uma clara tendência  de deslocamento das ações governamentais públicas – de abrangência universal – no trato das necessidades sociais em favor de sua privatização, instituindo critérios de seletividade no atendimento aos direitos sociais (IAMAMOTO, 2009, p.359)

Iamamoto, ainda exemplifica a sua lógica, citando: a difusão das “Redes de Parcerias Social” e nos” Fundos de Solidariedade “ , afirmando que essas iniciativas potenciam tradicionais marcas da assistência social no Brasil: “clientelismo, fragmentação institucional, ausência de mecanismos de participação e controle popular, opacidade entre o público e o privado etc.”. Com isso, a responsabilidade governamental, a respeito do “social”, é transferida para “organizações sociais” e “organizações da sociedade civil de interesse público”, “em uma crescente mercadorização do atendimento às necessidades sociais”(Idem, 2009, p.360).

Os papeis do assistente social nesse novo contexto

O papel do assistente social, especialmente na esfera da seguridade social, para Iamamoto (2009) é bastante relevante. Destacando-se, também, a atuação dos assistentes sociais nos Conselhos de Políticas, com destaque para os Conselhos de Saúde e de Assistência Social nos níveis nacional, estadual e municipal.

De acordo com Iamamoto (2009, p.360), Behring e Bosquetti (2006, p.179) existem 17 Conselhos Nacionais de política social que são de níveis estaduais e municipais, nas áreas de: educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social, segurança alimentar, cidades, desenvolvimento rural e Conselhos organizados por interesses temáticos, como os de execuções penais e questões penitenciárias.

Os conselhos retrataram, para Iamamoto (2009), interesses contraditórios, sendo espaços de lutas e disputas políticas.

Por um lado, eles dispõem de potencial para fazer avançar o processo de democratização das políticas sociais […] por outro lado, são espaços em que podem ser capturados por aqueles que apostam na reiteração do conservantismo político, fazendo vicejar as tradicionais práticas clientelistas, o cultivo do favor e da apropriação privada da coisa pública segundo interesses particularistas (IAMAMOTO, 2009, p.361).

Nesse sentido, Iamamoto (2009), ressalta a importância de reassumir os trabalhos de base – de educação, mobilização e organização popular, que são organicamente integrados aos movimentos sociais e às instâncias de organização política dos segmentos e grupos sociais subalternos, pois aparentemente o debate profissional quanto a essa questão está bastante olvidado perante “o refluxo dos movimentos sociais e dos processos massivos de organização sindical e social, a partir da década de noventa” (IAMAMOTO, 2009, p.362).

Situação dos Espaços Sócio-ocupacionais

Conforma a argumentação trazida por Iamamoto (2009),  é posto que nos diferentes espaços ocupacionais do assistente social, é de suma importância impulsionar pesquisas e projetos que favoreçam o conhecimento do modo de vida e de trabalho – e correspondentes expressões culturais – dos segmentos populacionais atendidos, criando um acervo de dados sobre os sujeitos e as expressões da questão social que a vivenciam.

Atualmente, a universalidade do acesso aos programas e projetos sociais abertos a todos os cidadãos só é possível por parte de Estado, porém os projetos derivados de organizações privadas apresentam uma característica central que os diferenciam: “não se movem pelo interesso público, e sim pelo interesse privado de certos grupos e segmentos sociais, reforçando a seletividade no atendimento” (Idem, 2009, p.366).

Portanto verifica-se uma constante mercantilização do atendimento social, que decorre da privatização das políticas sociais, referente a isso o serviço social transmuta de seu caráter de direito para uma atividade comercial, na qual está inscrita no ciclo de compra e venda de mercadorias. Esse fato entra em contraste com o papel do assistente social que, segundo Iamamoto (2009) é de trabalhar com as diversas expressões da questão social, esclarecendo a população sues direitos sociais e os meios de ter acesso aos mesmos, tendo esse significado alterado quando volta-se aos direitos e deveres referente a compra e venda. No tocante a que os direitos sociais são frutos de conquistas através de lutas e de negociações com o bloco do poder  em busca de reduzir as desigualdades impostas, a compra e venda de serviços a necessidades sociais como saúde, educação, renda, assistência social e entre outras pertencem à lógica mercantilista e não a social, que é a da garantia de direitos, atestados historicamente através de lutas em busca de conquistas no âmbito social.

Para Iamamoto (2009), o processo de descentralização das políticas sociais públicas requer dos assistentes sociais novas funções e competências, eles estão chamados a atuar na esfera da formulação e avaliação de políticas e do planejamento, gestão e monitoramento, inscritos em equipes multiprofissionais. Ampliando o seu espaço ocupacional para atividades  que surgem através desse novo contexto.

Essas inserções exigem novas competências de qualificação tais como:

Domínio para realizar diagnósticos socioeconômicos de municípios, para leitura e análise dos orçamentos públicos, identificando seus alvos e compromissos, assim como os recursos disponíveis para projetar ações; o domínio do processo de planejamento; a competência no gerenciamento e avaliação de programas e projetos sociais; a capacidade de negociação, o conhecimento e know-how na área de recursos humanos e relações no trabalho entre outros.

IAMAMOTO, 2009, p. 367.

O Assistente Social em seu espaço ocupacional deve ser um profissional critico, culto e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações sociais. Com exigências de um compromisso ético-politico com valores democráticos e competência teórico-metodológica na teoria crítica, em sua lógica de explicação da vida social. 

Com o surgimento de novas demandas, com a evolução tecnológica e outros fatores que mudaram as relações a respeito do trabalho, verificou-se também uma mudança na configuração dos espaços sócio-ocupacionais relacionados ao assistente social, a partir de avanços na esfera da seguridade social, determinada pela Carta Constitucional de 1988, sendo produto de um processo histórico. Novas competências foram surgindo, e o profissional, que antes tinha um trabalho restrito, agora possui múltiplas funções sendo chamados a atuar na esfera da formulação e avaliação de políticas e do planejamento, gestão e monitoramento, inscritos em equipes multiprofissionais, em diferentes espaços ocupacionais, seja na esfera pública ou privada.

Também, fica a reflexão sobre a política social, que, progressivamente, vem sendo ineficiente e negando os direitos fundamentais aos cidadãos, como: saúde, moradia, educação, segurança e dentre outros. Fazendo com que as pessoas contratem serviços sociais privados, tornando o direito, que foi conquistado através de lutas com o bloco que detém o poder, centro de uma relação capitalista, se tornando uma mercadoria que todos têm necessidade de possuir.

Nesse contexto, exige-se que o assistente social, nos moldes atuais, seja um profissional com um olhar crítico capaz de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações sociais. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEHRING, Elaine Rosseti. Acumulação capitalista, fundo público e política social. In: ______. Política Social no Capitalismo: Tendências Contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2008

CRESS, Sobre a profissão de Serviço Social. Disponível em http://www.cress-sc.org.br/servicosocial/profissao.php. 

CORREIA, Maria Valéria Costa. Controle Social. Disponível em http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/d/Controle_Social_-_rec.pdf. 

IAMAMOTO, Marilda Vilela. As dimensões ético políticas e teórico-metodológicas no Serviço Social contemporâneo IN: Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. Disponível em: http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/texto2-2.pdf. 

IAMAMOTO, Marilda Vilela. Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social IN: CFESS/ ABEPSS. Serviço Social: Direitos e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: Identidade e Alienação. 10. Ed. São Paulo: Editora Cortez, 2006. 163 p.

NETTO, José Paulo. Estado questão social no capitalismo dos monopólios IN: NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 4 ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2005.

NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social IN: Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. Disponível em: http://www.cpihts.com/PDF03/jose%20paulo%20netto.pdf. 

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