A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi formalmente instituída em um período de profundas transformações políticas e sociais no Brasil. Fundada em 28 de agosto de 1942, sob a égide do governo de Getúlio Vargas, a criação da LBA foi uma resposta direta à participação do país na Segunda Guerra Mundial. Sua finalidade inicial, claramente definida, era “amparar os soldados brasileiros e seus familiares”. Este propósito de auxílio em tempo de guerra serviu como uma poderosa justificação moral para a mobilização de recursos e voluntários em escala nacional. A instituição, que se firmou como uma sociedade civil com estatutos registrados em 5 de setembro de 1942, foi rapidamente autorizada e instalada, evidenciando a urgência e a importância que o governo conferia ao seu papel na retaguarda do esforço bélico nacional.
Embora tenha surgido como resposta emergencial ao conflito, a LBA se transformou em uma das principais instituições de assistência social do século XX, exercendo influência direta na formação do Serviço Social e na consolidação de políticas públicas no país.
Origem da LBA: entre o Estado, o empresariado e o voluntariado feminino
A LBA nasceu com uma estrutura tripartite:
- Estado – suporte institucional e articulação política;
- Empresariado – financiamento por meio da Confederação Nacional da Indústria e da Federação das Associações Comerciais;
- Sociedade civil – participação ativa de mulheres no voluntariado feminino, peça-chave no funcionamento da entidade.
Esse modelo corporativista permitiu a rápida capilarização da LBA, alcançando famílias em diferentes regiões do Brasil e consolidando sua legitimidade social.
Do apoio militar à assistência à maternidade e infância
Com o fim da guerra, a Legião Brasileira de Assistência redefiniu sua missão: passou de um órgão de apoio militar a uma agência federal de assistência geral, focada em maternidade e infância.
Apesar da expansão, manteve forte caráter emergencial, fragmentado e paliativo, atuando sem romper com práticas assistencialistas e clientelistas, principalmente até o golpe de 1964.
O “Primeiro-Damismo” e a feminilização da filantropia
Um traço marcante da LBA foi o “primeiro-damismo”: a presidência da instituição era ocupada pelas primeiras-damas, em nível federal, estadual e municipal.
Essa prática reforçou:
- A feminilização da filantropia, aproximando Estado e caridade;
- A visão da assistência como favor pessoal, e não como direito universal;
- O fortalecimento de relações de paternalismo e clientelismo.
Financiamento e alianças público-privadas
O financiamento da LBA refletia a aliança entre Estado e setor privado. O empresariado, ao contribuir com recursos, garantia uma forma de seguro social: mitigava tensões sociais sem promover reformas estruturais redistributivas que pudessem ameaçar seus interesses econômicos.
Essa dinâmica consolidou a LBA como um modelo de assistência paliativa, mas funcional para manter a ordem social da época.

A relação entre a LBA e o Serviço Social
A LBA foi fundamental para a profissionalização do Serviço Social no Brasil. Ao mesmo tempo em que oferecia campo de trabalho para assistentes sociais, exigia a reprodução de práticas assistencialistas.
Essa tensão gerou um dilema dentro da profissão:
- Prática caritativa e clientelista;
- Luta por direitos sociais e políticas públicas universais.
A extinção da LBA e a transição para a LOAS e o SUAS
A extinção da LBA, em 1º de janeiro de 1995, marcou o fim de um modelo pautado no clientelismo e no assistencialismo.
A mudança se deu em sintonia com:
- A Constituição Federal de 1988, que inseriu a assistência social na seguridade social;
- A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993;
- A criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em 2004.
Característica | Modelo LBA (1942-1995) | Modelo SUAS (2004 – atual) |
---|---|---|
Base ideológica | Caridade, paternalismo, filantropia | Direito do cidadão e dever do Estado |
Gestão | Centralizada e não eletiva (primeiro-damismo) | Descentralizada, participativa e com controle social |
Financiamento | Governo Federal + empresariado | Cofinanciamento entre entes federativos (União, Estados e Municípios) |
Foco | Ações emergenciais e fragmentadas | Programas, serviços e benefícios integrados |
Atendimento | Favor e assistência paliativa | Política de seguridade social pública |
O legado da LBA e os desafios atuais
Embora a LBA tenha sido extinta, sua herança cultural e ideológica ainda persiste. Práticas assistencialistas e clientelistas continuam presentes em diversos contextos, mostrando a dificuldade de consolidar a assistência social como direito de cidadania.
O desafio do SUAS é fortalecer uma política pública universal, descentralizada e participativa, capaz de romper definitivamente com a tradição de caridade e paternalismo.
Livro – História do Serviço Social: América Latina, África e Europa

Professor universitário. Doutorando em Políticas Públicas. Mestre em Sociologia. Especialista em Gestão Pública Municipal. Especialista em Direito Previdenciário. Bacharel em Serviço Social e em Administração.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5220780303947208
ResearchGate: https://www.researchgate.net/profile/Francisco-Garcez