Sincretismo no Serviço Social é um termo que gera algumas dúvidas pertinentes em estudantes e profissionais. No entanto, compreender o conceito é fundamental para a própria compreensão do significado do Serviço Social. O objetivo desse artigo é conceituar e elucidar as principais dúvidas acerca da definição de sincretismo e Serviço social.
Antes de tudo, vejamos o que significa sincretismo:
1 REL Fusão de diferentes religiões, doutrinas e cultos, cujos elementos permanecem com interpretações próprias.
Dicionário Michaelis
2 FILOS Reunião relativamente equilibrada de elementos díspares, oriundos de visões de mundo diferentes.
3 ANTROP, SOCIOL, POR ANAL Fusão de diversos elementos culturais antagônicos ou de diferentes culturas e sistemas sociais.
4 União ou convergência de ações ou de pontos de vista.
5 POR EXT O resultado dessa união, dessa convergência.
6 LING Fenômeno pelo qual duas unidades linguísticas, funcionalmente diferentes, se apresentam morfologicamente idênticas, como, por exemplo, a primeira e a terceira pessoas do singular do imperfeito: Eu amava / ele amava.
7 PSICOL Visão do mundo exterior como um conjunto indivisível, complexo e obscuro, característico das crianças e do homem dito primitivo.
O termo sincretismo não é recente, tampouco exclusivo de nosso universo profissional. Ele antecede o surgimento do Serviço Social. Plutarco (46 d.C. – 120 d.C) denominava como Sugkretos (forma jônica de Sugkratos: “misturado junto”) “como referência ao comportamento dos cretenses que, apesar de sua discórdia habitual, se tornavam unidos frente a um inimigo comum” (COLPE apud GATTI, 2016).
Sincretismo e Serviço Social
A tese sobre o sincretismo no Serviço Social foi elaborada por José Paulo Netto. Em Capitalismo Monopolista e Serviço Social, o autor explica que o serviço social nasce medularmente sincrético. Ou seja, surge e se consolida sob diversas influências, mesmo que contraditórias/conflitantes, em sua estrutura.
A profissionalização do Serviço Social conseguiu alterar significativamente a inserção sócio-ocupacional do assistente social. Por isso, foram estabelecidas fronteiras no que diz respeito às atividades filantrópicas:
I. Aproximação com contribuições de pensamento que tinham chancela das ciências sociais.
II. Empenho em generalizar uma sistemática orgânica para a formação profissional.
III. Esforço em produzir uma documentação própria.
IV. Vinculação crescente das intervenções a formas de organização institucionais e públicas.
Para Netto (2013, p.98-101), mesmo assim, o Serviço Social profissionalizado não conseguiu diferenciar a intervenção da profissão de outras práticas (profissionais ou não) que incidiam sobre a questão social. O Serviço Social, na busca por se legitimar, experimentou uma aproximação com diferentes teorias, metodologias, perspectivas, modelos explicativos, práticas. Além disso, inseriu-se em diversos espaços, sendo uma profissão reconhecida como muito importante para o desenvolvimento do país. No entanto, o Serviço Social carecia de explicações sobre o próprio fazer profissional, como se a prática profissional fosse algo sem especificidades.
O autor afirma que a polivalência aparente é a “mais nítida consequência da peculiaridade operatória do Serviço Social – da sua intervenção indiferenciada” (p.105). Essa característica é a expressão do sincretismo prático-profissional, expressando-se em todas as manifestações da prática profissional. Nesse sentido, o serviço social podia ser caracterizado por uma prática profissional indiferenciada e sem especificidades.
A partir do exposto, Netto explica a relação entre o sincretismo ideológico e o teórico ou “científico” no Serviço Social.
O sincretismo ideológico
O sincretismo ideológico diz respeito às influências da tradição europeia e norte-americana no surgimento e desenvolvimento do Serviço Social no Brasil. Assim, a profissão recebe influência do Serviço Social europeu católico e do Serviço Social norte-americano protestante, que são, ao ver de Netto, “radicalmente diferentes”. Isso culminou com uma “baixa qualificação teórico-técnica ou uma idiossincrasia ideológica dos protagonistas deste momento histórico da afirmação profissional” (p.118).
Entretanto, o problema do sincretismo ideológico na profissão está para além da demarcação na gênese do Serviço Social.
[…] o desenvolvimento profissional do Serviço Social, deu-se, simultaneamente, com a imbricação dessas duas linhas evolutivas e com suas modificações particulares. Ou seja, operou-se num campo cultural-ideológico que registrava um movimento entre duas tradições e outro, situado na relação entre cada uma delas e as novas configurações cultural-ideológicas que surgiam em suas respectivas periferias (p.120).
Netto, Capitalismo Monopolista e Serviço Social.
Assim, o sincretismo ideológico acompanha a inteira trajetória sócio-histórica do Serviço Social, tendo rebatimentos nas manifestações da prática profissional do Serviço Social.
O sincretismo “científico”
Na busca por afirmação, o Serviço Social buscou construir uma teoria e metodologia que dessem suporte à intervenção da prática profissional, por isso tentou incorporar um estatuto científico. No entanto, as formulações do Serviço Social até meados do Movimento de Reconceituação do Serviço Social proporcionaram para a profissão um saber de segundo grau, com um substancial ecletismo.
[…] o ecletismo é o sincretismo do Serviço Social no nível do seu sistema de saber de segundo grau.
Netto (2011, p.146).
O ecletismo é a expressão do sincretismo teórico ou “científico” (Netto usa aspas no termo para informar que não é científico). O ecletismo consiste na acumulação seletiva de subsídios das ciências sociais de forma assistemática. Assim, existia um distanciamento dos formuladores do Serviço Social das fontes originais das ciências sociais (por exemplo, marxismo sem Marx – liam e utilizavam apenas os estudiosos de Marx ou os comentadores). Ainda, é importante afirmar que o ecletismo agregou o uso de perspectivas e teorias sociais que são colidentes e excludentes (positivismo e marxismo). Uma pergunta para deixar mais claro: É possível conciliar a visão de mundo positivista com a marxista? A resposta é não!
Um exemplo bem simples para compreender a lógica do conceito de sincretismo no Serviço Social
Você quer fazer um “inovador” suco de maracujá. Nele você usa açúcar, mel, ovo e sal. São ingredientes que não se encaixam para dar um bom sabor ao suco. O mesmo acontece com o Serviço Social, um conjunto de ingredientes (diversas influências ideológicas, políticas, teóricas, filosóficas que não necessariamente se encaixam) que influenciam na profissão em todos os seus planos.
Sobre o artigo “O que é sincretismo no Serviço Social?”
Não é objetivo desse artigo trazer uma conceituação definitiva de sincretismo no serviço social. O propósito é apenas trazer uma contribuição para facilitar o entendimento. A abordagem aqui é simples para um assunto complexo. Por isso, sugerimos a leitura não apenas da Biblioteca Básica do Serviço Social, mas de livros clássicos que devem ser lidos para a compreensão do significado da profissão.
Referências
GATTI, José. Dialogismo e sincretismo: (re)definições. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso [online]. 2016, v. 11, n. 3 [Acessado 12 Julho 2022] , pp. 59-79. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2176-457324843. ISSN 2176-4573. https://doi.org/10.1590/2176-457324843.
NETTO, José. Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo: Cortez, 2011.
Professor universitário. Doutorando em Políticas Públicas. Mestre em Sociologia. Especialista em Gestão Pública Municipal. Especialista em Direito Previdenciário. Bacharel em Serviço Social e em Administração.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5220780303947208
ResearchGate: https://www.researchgate.net/profile/Francisco-Garcez