História serviço social

História do Serviço Social no Brasil

Neste artigo iremos apresentar a história do Serviço Social no Brasil, demarcando os principais pontos de estudo da área a partir da literatura especializada. Confira abaixo!

A gênese do Serviço Social no Brasil (Década de 1930)

Com o aprofundamento do capitalismo, em sua fase monopolista (início do século XX), a situação econômica e social era extremamente desfavorável para a classes subalternas. Essa conjuntura gerou um tensionamento entre a classe trabalhadora e o Estado (que representava os interesses da classe dominante), este se viu pressionado a atuar nas diferentes manifestações da questão social para buscar conformar, controlar e disciplinar as classes subalternas.

A Igreja Católica enquanto instituição fez parte disso. É importante destacar que a Igreja Católica buscou resgatar parte de seu prestígio e influência na sociedade. E, em meados do século XX, no contexto do capitalismo monopolista, o Serviço Social nasceu no Brasil vinculado à Ação Católica, que foi um conjunto de movimentos leigos cristãos vinculados à hierarquia da Igreja Católica.

Nesse contexto, a filantropia e a caridade eram as ações utilizadas para dar respostas às expressões da questão social. Essas práticas eram incentivadas pela Igreja, pois eram práticas inspiradas na moral e nos “bons costumes. Embora sejam registradas experiências de ações sociais anteriormente, data-se que, o Serviço Social surgiu no Brasil em 1936, com a Escola de Serviço Social de São Paulo, estando profundamente ligado a esse movimento da Igreja. Aguiar (2011, p.31) afirma que com a Ação Católica é perceptível que “a preocupação da Igreja se coloca na perspectiva de uma reforma da sociedade (retorno ao ideal da Idade Média), dada a decadência da moral e dos costumes, produzida pelo liberalismo e comunismo”.

Yasbek (2009, p.5) destaca que:

É, pois, na relação com a Igreja Católica que o Serviço Social brasileiro vai fundamentar a formulação de seus primeiros objetivos político/sociais orientando‐se por posicionamentos de cunho humanista conservador contrários aos ideários liberal e marxista na busca de recuperação da hegemonia do pensamento social da Igreja face à “questão social”. Entre os postulados filosóficos tomistas que marcaram o emergente Serviço Social temos a noção de dignidade da pessoa humana; sua perfectibilidade, sua capacidade de desenvolver potencialidades; a natural sociabilidade do homem, ser social e político; a compreensão da sociedade como união dos homens para realizar o bem comum (como bem de todos) e a necessidade da autoridade para cuidar da justiça geral.

Antiga Escola de Serviço Social de Minas Gerais. Fundada em julho de 1946 pelo Pe. Agnaldo Leal, com a colaboração de três assistentes sociais mineiras formadas pela Escola de Serviço Social de São Paulo. Fonte: PUC Minas. História do Serviço Social no Brasil.

As primeiras escolas de Serviço Social eram, então, vinculadas a Igreja Católica e eram norteadas pelos postulados neotomistas. A noção de dignidade humana, perfectibilidade humana e o bem comum caracterizavam o neotomismo. O primeiro curso de Serviço Social foi dirigido por Mademoiselle Adèle de Loneaux, professora da École Catholique de Service Social de Bruxelas, tendo por objetivo o “estudo e a difusão da doutrina social da Igreja e a ação social dentro da mesma diretriz” (AGUIAR, 2011, p.43). O Serviço Social, em sua gênese, é caracterizado por receber uma influência franco-belga. Logo, a profissão era caracterizada por ter um caráter conservador, vocacional, moralista, manipulador, confessional, tendo práticas conservadoras a partir de um fazer profissional que propunha uma educação moral voltada para a substituição de valores e comportamentos das classes subalternas. O período compreendido entre a década de 1930 e 1960 é denominado pela literatura como Serviço Social Tradicional.

1936Escola de Serviço Social de São Paulo
1937Escola de Serviço Social do Instituto de Educação Familiar e Social do Rio de Janeiro
1940Instituto de Serviço Social de São Paulo
Escola de Serviço Social de Pernambuco, a primeira do Nordeste
1944Escola de Serviço Social da Bahia
1945Escola de Serviço Social do Paraná
Escola de Serviço Social de Porto Alegre
As oito primeiras escolas de Serviço Social no Brasil. Fonte: Iamamoto – 80 anos do Serviço Social no Brasil: a certeza na frente, a história na mão.

O Serviço Social e o desenvolvimentismo (anos 1940-1960)

Antiga Escola de Serviço Social de Manaus. Fonte: Instituto Durango Duarte. Para mais detalhes sobre a Escola clique aqui.

O Brasil experimentou um período de urbanização e modernização no século XX. O chamado período desenvolvimentista congregou uma política de crescimento industrial, econômico e de infraestrutura, trazendo “ares de modernidade” para a sociedade. Contudo, esse desenvolvimento não significa (nem reflete) uma melhoria das condições de vida das classes subalternas, o que ocorre é um fenômeno denominado “hipertrofia das expressões questão social”.

Nesse período, a profissão se viu obrigada a pensar um Serviço Social moderno, adequado às exigências desse novo contexto, por isso buscou incorporar um estatuto científico. Assim, a profissão se aproxima do Serviço Social norte-americano, incorporando a matriz filosófica de cunho positivista, pautada em critérios técnicos e científicos. É importante ressaltar que a conjuntura geopolítica foi um fator preponderante para aproximação do Brasil com os Estados Unidos.

Segundo Yasbek (2009), o conservadorismo católico que caracterizou os anos iniciais do Serviço Social brasileiro começa, especialmente a partir dos anos 1940, a ser tecnificado ao entrar em contato com o Serviço Social norte-americano e suas propostas de trabalho permeados pelo caráter conservador da teoria social positivista. Aguiar (2011, p.80) afirma que “na segunda metade da década de 1940 e no início da de 1950, constatamos a presença da filosofia tomista aliada às técnicas norte-americanas”.

A profissão agregou o Desenvolvimento de Comunidade às metodologias utilizadas pelo Serviço Social, compondo uma tríade metodológica: a) o Serviço Social de Caso – era voltado para a personalidade do cliente; b) o Serviço Social de Grupo – abordagem voltada para grupos a partir uma perspectiva educacional; c) o Desenvolvimento de Comunidade – macroatuação educativa e articulada junto a comunidades com intuito de desenvolvê-las.

Fonte: PUC Minas.

Segundo Safira Ammann (2003), as práticas de DC entre 1960 e 1964 registram grandes incongruências: de um lado a continuidade de trabalhos de caráter acrítico, (e aparentemente), apolítico e aclassista. De outro emergem e se difundem em movimentos que concebem a participação numa perspectiva crítica.

O Desenvolvimento de comunidade possuíra um destaque para a prática profissional do Serviço Social, passando a crescer na década de 1950 no corpo profissional, e, consequentemente, a sensibilizar os assistentes sociais para problemáticas macrossociais.

O movimento de Reconceituação do Serviço Social (1965-1979)

No contexto da autocracia burguesa, ocorre o chamado Movimento de Reconceituação do Serviço Social no Brasil. Trata-se de um movimento que visou repensar o Serviço Social, adequando-o teórico, metodológico-operativamente à realidade latino-americana, dada a influência norte-americana no Serviço Social (o que era um problema, pois a realidade norte-americana é completamente diferente da latino-americana). Foi um momento ímpar na história do Serviço Social no Brasil e na América Latina.

I Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais Rio de Janeiro – 12 a 17.05.1974 – Fonte: Museu Virtual da UERN.

Segundo Netto (2015), erodida a base do Serviço Social tradicional, a reflexão profissional se desenvolveu em três direções no processo de renovação: Modernização do Conservadorismo, Reatualização do Conservadorismo e Intenção de Ruptura. Vejamos as diferenças entre elas abaixo.

Modernização do Conservadorismo Reatualização do Conservadorismo Intenção de Ruptura
Matriz filosófica: positivismo/funcionalismoMatriz filosófica: fenomenologiaMatriz filosófica: marxismo
Principais marcos: Seminário de Araxá (1967) e Seminário de Teresópolis (1970).Principais marcos: Seminário de Sumaré (1978) e Seminário do Alto da Boa Vista (1984).Principal Marco: Método de Belo Horizonte (conhecido como Método de BH – década de 1970).
Principal formulador: José Lucena DantasPrincipais formuladoras: Ana Augusta Almeida e Ana Maria Braz PavãoPrincipal formuladora: Leila Lima Santos
Características: conservadorismo, adequação do Serviço Social às exigências da autocracia burguesa; culpabilizava o indivíduo por sua condição social; discurso cristão; demonstração de uma neutralidade quanto às contradições existentes na sociedade; inseria o serviço social no arsenal de técnicas sociais voltadas ao desenvolvimento capitalista.Características: conservadorismo, buscava resgatar o serviço social tradicional sob a égide da fenomenologia; centrava sua análise e intervenção na ajuda psicossocial (práticas psicologistas); subordinação a uma visão de mundo derivada do pensamento católico tradicional.Características: pretensão de romper com a herança teórico-metodológica
conservadora e seus paradigmas de intervenção social. Existência de uma distância entre a intenção de romper com o passado conservador do Serviço Social e os indicativos prático-profissionais para consumá-la.
Fonte: elaborado pelo autor à luz de Netto (2015).

Um marco histórico para o Serviço Social que culminou com novos rumos para a nossa profissão foi III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), que ficou conhecido como o “Congresso da Virada”. O evento ocorreu de 23 a 27 de setembro de 1979, em São Paulo. O acontecimento representou uma ruptura da categoria profissional com a sua herança conservadora.

Veja relatos de assistentes sociais sobre como foi e o que representou o “Congresso da Virada”.

Mota e Rodrigues (2020) expõem a importância dos acontecimentos do III CBAS:

[…] o III CBAS deu uma decisiva contribuição para forjar uma nova cultura profissional que continha e contém uma direção social estratégica (PAULO NETTO, 1996) colidente com os interesses do grande capital, expressa na atuação política das entidades representativas da categoria profissional, nos parâmetros jurídico-políticos da formação e atuação dos assistentes sociais (Códigos de Ética, na lei de regulamentação da profissão, nas Diretrizes Curriculares) e na produção teórica mais relevante da área do Serviço Social.

É no marco da autocracia burguesa e do Movimento de Reconceituação que podemos identificar a gênese e o processo de constituição do projeto ético-político profissional do Serviço Social.

O Serviço Social na Contemporaneidade

A partir dos anos 1980, o Serviço Social incorporou o quadro referencial teórico marxista e expandiu bastante a produção de conhecimento. Iamamoto (2015) teve substancial importância ao identificar que o desenvolvimento do Serviço Social como instituição no Brasil mantém uma conexão com o desenvolvimento das relações capitalistas na nossa formação social. Para a autora, a apreensão do significado histórico da profissão só é revelada a partir da inserção na sociedade, pois ela se afirma como instituição peculiar na e a partir da divisão social do trabalho.

A história do Serviço Social deve ser compreendida a partir do entendimento que a profissão é intimamente ligada às relações sociais, surgindo enquanto necessidade no contexto de aprofundamento do capitalismo e de suas contradições. Ora, o Serviço Social é uma profissão que tem 85 anos e passou por processo dialético de constituição de suas bases teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Iamamoto (2009, p.5) descreve que:

O Serviço Social brasileiro contemporâneo apresenta uma feição acadêmico-profissional e social renovada, voltada à defesa do trabalho e dos trabalhadores, do amplo acesso a terra para a produção de meios de vida, ao compromisso com a afirmação da democracia, da liberdade, da igualdade e da justiça social no terreno da história. Nessa direção social, a luta pela afirmação dos direitos de cidadania, que reconheça as efetivas necessidades e interesses dos sujeitos sociais, é hoje fundamental como parte do processo de acumulação de forças em direção a uma forma de desenvolvimento social inclusiva para todos os indivíduos sociais.

O Serviço Social é uma profissão crítica que detém um projeto ético-político, tendo um direcionamento social que aponta para um novo modelo de sociedade, com liberdade, cidadania, democracia, livre de desigualdade, preconceitos e qualquer tipo de injustiças sociais. O Código de Ética de 1993 traz o conjunto de princípios que devem nortear a prática profissional.

A profissão tem como objeto de intervenção a questão social e suas múltiplas expressões. A categoria profissional atua em múltiplos espaços sócio-ocupacionais exercendo competências profissionais e atribuições privativas à luz da Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993. As competências profissionais são funções que podem ser assumidas tanto por assistentes sociais quanto por outras profissões, já as atribuições privativas são executadas exclusivamente por assistentes sociais.

Nesses espaços profissionais os (as) assistentes sociais atuam na sua formulação, planejamento e execução de políticas públicas, nas áreas de educação, saúde, previdência, assistência social, habitação, meio ambiente, entre outras, movidos pela perspectiva de defesa e ampliação dos direitos da população. Sua atuação ocorre ainda na esfera privada, principalmente no âmbito do repasse de serviços, benefícios e na organização de atividades vinculadas à produção, circulação e consumo de bens e serviços […] Nesses espaços ocupacionais esses profissionais realizam assessorias, consultorias e supervisão técnica; contribuem na formulação, gestão e avaliação de políticas, programas e projetos sociais; atuam na instrução de processos sociais, sentenças e decisões, especialmente no campo sociojurídico; realizam estudos socioeconômicos e orientação social a indivíduos, grupos e famílias, predominantemente das classes subalternas; impulsionam a mobilização social desses segmentos e realizam práticas educativas; formulam e desenvolvem projetos de pesquisa e de atuação técnica, além de exercem funções de magistério, direção e supervisão acadêmica.

Iamamoto (2009, p.6-7).

Quanto ao perfil profissional, em pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) em 2015, que objetivou traçar um perfil dos assistentes sociais no Brasil, chegou aos seguintes resultados. Um aumento de mais de 100% do número de assistentes sociais de 2004 para 2013, totalizando um número de 204.747 assistentes sociais; uma diminuição expressiva da taxa de sindicalização ou filiação a alguma entidade de classe; tem o Estado como o grande empregador; composição de 94% de mulheres; a maioria dos assistentes sociais tem entre 30 e 49 anos de idade.

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5 Recomendações de leitura sobre a História do Serviço Social no Brasil

Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica – Marilda Iamamoto e Carvalho

História do Serviço Social na América Latina – Manuel Manrique Castro

Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64 – José Paulo Netto

Serviço Social e Filosofia: das origens a Araxá – Antônio Geraldo de Aguiar

Referências utilizadas no artigo sobre a história do Serviço Social no Brasil

AGUIAR, A. Serviço Social e Filosofia: Das origens a Araxá. São Paulo: Cortez, 2011.

AMMANN, S. B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 10ed. São Paulo: Cortez, 2003.

IAMAMOTO, M. Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social. In: CFESS/ABEPSS. Serviço Social: direitos e competências profissionais. Brasília: CFESS/Abepss, 2009. p. 341-375.

IAMAMOTO, M.  O Serviço Social na cena contemporânea. In: CFESS/ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez; Lima: Celats, 2015.

MOTA, A. E.; RODRIGUES, M. Legado do Congresso da Virada em tempos de conservadorismo reacionário. Rev. katálysis,  Florianópolis ,  v. 23, n. 2, p. 199-212,  Ago.  2020.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802020000200199&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  12  set.  2021.

NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2015.

YASBEK, M. C. Os fundamentos históricos e teórico­-metodológicos do Serviço Social brasileiro na contemporaneidade. In: Serviço Social. Direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.

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